A cobrança do não associado abrangido pela negociação coletiva não viola a liberdade sindical negativa, pois não resulta em necessária ou obrigatória filiação ao sindicato, assegurado o direito de oposição.

 

MINISTÉRIO PUBLICO DO TRABALHO
COORDENADORIA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA LIBERDADE SINDICAL
CONALIS


NOTA TÉCNICA N. 3, de 14 de maio de 2019 MEDIDA PROVISÓRIA N. 873, DE 1º DE MARÇO DE 2019.


1. Em 1º de março de 2019, o Presidente da República editou a MP n. 873 (Medida Provisória) que alterou dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT e da Lei n. 8112/90 com o objetivo de regular a autorização prévia e o recolhimento de contribuições sindicais.


2. A MP 873 pretende impor às demais fontes de custeio dos sindicatos (mensalidade sindical, contribuição confederativa e contribuição negocial/assistencial) regramento específico da contribuição sindical estabelecida em lei (CLT, arts. 545, 578 e 579).


3. A nova redação dos artigos 578 e 579 estabelecem o requisito “da autorização prévia, voluntária, individual, expressa e por escrito pelo empregado” para fins de recolhimento da contribuição.


4. O novo artigo 579 também afasta expressamente a possibilidade do direito de oposição como alternativa para o desconto dos não associados, declara antecipadamente a nulidade de acordos ou convenções coletivas de trabalho, bem como de deliberações em assembleias que resultem em interpretação ou disposição diversa do requisito da autorização prévia, voluntária, individual e expressa e por escrito, estabelecido pela MP.

5. A nova redação do art. 579-A limita as fontes de custeio das entidades sindicais aos filiados, inclusive as estabelecidas em Estatutos e na negociação coletiva, não obstante persistir na organização sindical brasileira a representação sindical única de uma mesma categoria, na mesma base territorial (unicidade sindical) e o efeito “erga omnes” da negociação coletiva, isto é, tudo que foi negociado e pactuado pelos entidades sindicais representativas dos trabalhadores e das empresas, em acordos coletivos ou convenções coletivas de trabalho, aplica-se a todos os trabalhadores e empresas por elas representados, nos termos do art. 611 da CLT.

6. As MPs estão sujeitas a uma condição resolutiva, já que perdem sua eficácia quando não convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável uma vez por igual período (CF, art. 62).

7. Caso não convertida em lei, a MP 873 produzirá efeitos no mundo jurídico tão somente durante sua vigência (CF, arts. 5º., XXXVI, e 62, §§ 3º. e 11), se considerada formal e materialmente constitucional.

8. Os acordos e convenções coletivas de trabalho firmados antes da publicação da MP 873 não podem ser por ela atingidos, em respeito ao direito adquirido e ato jurídico perfeito (inc. XXXVI do art. 5º CF/88), bem como as cláusulas acordadas na vigência da MP, por força da autonomia privada coletiva e do contido no art. 611-A, da CLT.

9. A negociação coletiva e a liberdade sindical integram os quatro princípios da Declaração da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (1998)1, documento de grande importância para a consolidação do trabalho decente em todo mundo, um dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas - ONU.


10.Nos termos das Notas Técnicas 1 e 2 da CONALIS, a unicidade sindical (CF, 8º, II), a eficácia “erga omnes” dos instrumentos normativos (CLT, art. 611) e os efeitos decorrentes da reforma trabalhista (Lei n. 13467/17) demandam adequada interpretação das normas que versem sobre o custeio das entidades sindicais, destacando-se que a negociação coletiva é direito fundamental social dos trabalhadores (CF, arts. 7º, XXVI e 8º, III e VI).

11.Ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais de toda a categoria e é obrigatória a sua participação nas negociações coletivas de trabalho (art. 8º, incisos III e VI, da
Constituição),

12.A assembleia de trabalhadores regularmente convocada é fonte legitima não só para a estipulação de novas condições de trabalho (art. 611), como também para fixar a contribuição destinada ao custeio das atividades sindicais, podendo dispor sobre o valor, a forma do desconto, a finalidade e a destinação da contribuição (CLT, art. 513, e), em conformidade com o art. 2º da Convenção 154 da OIT, ratificada pelo Brasil, que trata das medidas de incentivo à negociação coletiva.

13.As cláusulas de segurança sindical “closed shop” e “maintenance of membership” são expressamente vedadas pela Constituição (art. 8º, V). Em outras palavras, o trabalhador não pode ser obrigado a filiar-se ou manter-se filiado ao sindicato, para conseguir ou garantir um emprego.

14. Diferentemente, a Constituição não veda a cláusula “agency shop”, entendida como aquela que estabelece o desconto de contribuição dos trabalhadores não filiados, desde que tenham sido abrangidos pela negociação, nos termos do entendimento consolidado perante o Comitê de Liberdade Sindical da OIT (§§ 321-327)2.

15.Nos termos da Nota Técnica n. 2 da CONALIS, em defesa da liberdade sindical e do respeito à autonomia privada coletiva, inerente às entidades sindicais, a deliberação sobre os termos e condições da 2 - § 321 – Convém distinguir entre cláusulas de segurança sindical permitidas por lei e as “impostas” por lei, uma vez que só estas últimas resultam num sistema de monopólio sindical contrário aos princípios da liberdade sindical.


§ 322 – A admissibilidade das cláusulas de segurança sindical por força de convenções coletivas foi deixada a critério dos Estados ratificantes, conforme se depreende dos trabalhos preparatórios da Convenção n. 98.
§ 325 – Quando uma legislação aceita cláusula de segurança sindical, como a dedução de contribuições sindicais de não-filiados que se beneficiam da contratação coletiva, estas cláusulas só deveriam se tornar efetivas por meio das convenções coletivas.
§ 326 – A questão do desconto de contribuições sindicais pelos empregadores e seu repasse para os sindicatos deve ser resolvida pela negociação coletiva entre empregadores e sindicatos em geral, sem obstáculos de natureza legislativa.
§ 327 – De conformidade com os princípios da liberdade sindical, as convenções coletivas deveriam poder prever um sistema de dedução das contribuições sindicais sem ingerência por parte das autoridades. In: Liberdade sindical: Recopilação das decisões e princípios do comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OIT. Brasília: OIT, 1ª. ed. 1997, pg.73-4.
negociação coletiva, inclusive acerca de contribuições devidas pelos trabalhadores por ela abrangidos e respectivo desconto salarial, pode ser individual ou coletiva, extraída em assembleia geral convocada para esse fim, nos termos do art. 612 da CLT.16.Os trabalhadores abrangidos pela negociação coletiva devem participar do financiamento desse processo, sob pena de inviabilizar e fragilizar a atuação sindical, bem como desincentivar novas filiações.

17.A cobrança do não associado abrangido pela negociação coletiva não viola a liberdade sindical negativa, pois não resulta em necessária ou obrigatória filiação ao sindicato, assegurado o direito de oposição.

18.A reforma trabalhista (Lei n. 13467/17), a par de consagrar o princípio da prevalência do negociado sobre o legislado, maximizando o valor jurídico das normas coletivas de trabalho, admite a realização do desconto salarial estabelecido em convenção ou acordo coletivo de trabalho, quando autorizado. (CF, art. 8º, I, c/c CLT, arts. 611 e 611-B, XXVI).

19.O regramento do boleto bancário (CLT, 582), em substituição ao desconto em folha, tem o potencial de inviabilizar a atuação sindical, e de fragilizar o sistema de financiamento dos sindicatos, cuja missão é coletiva e não individual.

20. A regra do boleto bancário é inconstitucional por contrariar a literalidade do inciso IV do art. 8º, que autoriza expressamente o desconto em folha
da contribuição confederativa, fixada por assembleia sindical, e por ferir o princípio da isonomia de tratamento (CF, art. 5º, caput) das pessoas jurídicas, na medida em que cria regra que dificulta o recolhimento das contribuições tão somente para as entidades sindicais, mantendo outras sistemáticas do desconto em folha, a exemplo dos empréstimos e financiamentos bancários, contratados pelos trabalhadores junto às instituições financeiras.

21.As referidas alterações da MP 873 atentam contra a autonomia privada coletiva, a liberdade sindical e à livre negociação (CF, art. 8º, caput, I e VI e Convenções n. 87, 98 e 154 da OIT), pois impedem que os sindicatos estabeleçam livremente em seus Estatutos, ou negociem e regulem formas de financiamento e de desconto em acordos e
convenções coletivas de trabalho, configurando grave e vedada interferência e intervenção do Estado na organização sindical, razão pela qual não pode prevalecer ante a sua flagrante inconstitucionalidade e inconvencionalidade.

JOÃO HILÁRIO VALENTIM
Procurador Regional do Trabalho
Coordenador Nacional da CONALIS
Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical

ALBERTO EMILIANO DE OLIVEIRA NETO
Procurador do Trabalho
Vice Coordenador Nacional da CONALIS
Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical